quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Acabou a disputa entre software proprietário e de código aberto. A batalha agora será entre marcas

Esqueçam tudo o que foi escrito sobre uma guerra travada nos ultimos 14 anos entre software proprietário e de código aberto pelo mercado corporativo governamental. Daqui para a frente a disputa será por marcas.

Sim, o governo conseguiu a façanha de sair da dependência tecnológica do software proprietário, em alguns casos, para cair numa dependência de marcas de empresas que desenvolvem sistemas em código aberto, em cima de um mesmo código-fonte. (a história completa você pode ler AQUI)

E essa decisão foi corroborada, pasmem, pelo Tribunal de Contas da União.

Até agora esse é o resultado preliminar de uma batalha comercial e judicial de R$ 15,3 milhões - preço caro para os padrões de licitações nesta plataforma - que se iniciou entre empresas distribuidoras de soluções em código aberto, revendas das marcas SUSE, Debian ou Oracle, questionam o caráter de exclusividade para a marca Red Hat pela Dataprev - a estatal de processamento de dados da Previdência Social.

A Dataprev abriu uma licitação e foi clara: só chamou revendas Red Hat para prestar serviços que, em sua avaliação, só poderiam ser realizados por empresas que trabalhassem nesse ambiente. Como assim? Red Hat Linux seria diferente de um SUSE Linux, Debian Linux ou Oracle Linux?

Diferenças podem ser constatadas do ponto de vista técnico apenas na forma como foram desenvolvidas as soluções. Todas, entretanto, têm um ponto em comum: foram desenvolvidas em cima de um código-fonte único, que vem sendo aprimorado por elas mesmas. Mas não o suficiente para afirmar que uma marca de uma distribuidora Linux possa ser tão diferente das demais.

É fato que, como modelo de negócio, a Red Hat vem trabalhando com o foco no mercado corporativo. Mas também é fato que outras marcas também podem atender a este mercado dentro de suas peculiaridades. Fazer uma licitação escolhendo apenas uma marca, numa base onde o código-fonte é comum entre elas, sob o argumento de que somente essa empresa poderá garantir o bom funcionamento dos seus sistemas, é aplicar a mesma regra condenada durante anos contra a Microsoft, quando alegava o seu direito de propriedade.

Afinal de contas, que tipo de mercado estamos criando?

A chance de criar um mercado de software livre dirigido por brasileiro, neste caso, e por parte do governo brasileiro é nenhuma. Continuamos mandando dinheiro para empresas americanas. Se um dia o Brasil foi pioneiro com uma Conectiva Linux, no passado, o próprio governo, indutor de primeira hora, depois alegou não saber ou ter como contratar. Se você pensa em criar um Linux da sua empresa esqueça: o governo aqui só compra - e depende - de um único distribuidor.

Chamam de subscrição de serviço de software livre, mas o governo compra igualzinho a uma licença de uso proprietário. Paga como software proprietário, se desvincula de obrigações como software proprietário e o grande benefício de pelo menos não gerar dependência foi devidamente homologado que isso não tem problema.

Aos olhos do TCU, a Red Hat é diferente das demais marcas que operam com código aberto. E garante não haver direcionamento algum, quando a Dataprev simplesmente só convidou para o seu pregão, via edital, distribuidoras desta marca.

Curioso foi que as especificações técnicas são claras: a Dataprev necessitava de softwares que fossem de código aberto, mas não necessariamente da marca Red Hat. A escolha de trabalhar com apenas uma única marca não pressupõe um direcionamento? Aos olhos do TCU, não.

Na falta de argumentos técnicos que justificassem a presença de soluções Linux, mas não necessariamente da marca Red Hat, o Tribunal buscou um famoso atalho, que já se transformou num dogma comportamental na Administração Pública: "não se pode paralisar determinados serviços, sob pena de prejudicar o usuário final, que em instância final é o contribuinte ou correntista de um banco", por exemplo.

Fica uma questão a ser avaliada futuramente: como um banco ou uma estatal de processamento de dados podem alegar que vão prejudicar um cidadão por falta de uma solução nova, se até ontem prestavam os mesmos serviços independentemente da aquisição desta nova solução? Pode-se questionar que a qualidade seria melhor se as novas soluções já estivessem instaladas, mas daí a dizer que os serviços serão paralisados por falta delas não parece uma ideia plausível.

Até porque, enquanto não adquirissem a nova solução, poderiam trabalhar emergencialmente com as antigas já instaladas e que serviram por longo tempo aos interesses dessas empresas e instituições financeiras. A lei 8.666 lhes faculta essa possibilidade.

Mas foi essa a principal argumentação do pregoeiro, que o TCU candidamente comprou como fato consumado, para indeferir o pedido de cautelar contra essa licitação da Dataprev.

Se há algo de bom que possa ser retirado desse episódio como informação para discussões futuras sobre compras governamentais, com certeza será a questão introduzida agora pela Dataprev, de que a marca sempre será fundamental no processo de escolha de um software, mesmo que este seja de código aberto e as demais guardem a similaridade pelo fato de estarem sob um mesmo código-fonte.

Só espero que no futuro, nem o Ministério Público Federal, nem tampouco o TCU, voltem a pressionar estatais pelo fato de estarem reféns tecnológicos de marcas e patentes que foram desenvolvidos sob um mesmo código-fonte. A Dataprev foi vítima dessa dependência e da forma como vem conduzindo essa compra voltou ao caminho questionado pelos organismos de controle em outras épocas.

*Segue a íntegra do parecer do TCU.